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10 maio 2006 

Nascer em Barcelos

por José Vitor Malheiros

Publicado no PÚBLICO de 9 de Maio de 2006

O anúncio feito pelo Ministério da Saúde do encerramento de algumas maternidades que realizam um número de partos inferiores a 1500 por ano desencadeou, nos últimos dias, uma vaga de protestos nas localidades afectadas.

No fim-de-semana passado, na mais visível das manifestações, frente à residência oficial do primeiro-ministro, em Lisboa, manifestaram-se milhares de barcelenses, descidos à capital em 120 autocarros fretados pela câmara municipal e unidos em defesa do "direito de nascer em Barcelos". Noutras cidades aconteceram manifestações semelhantes, de menor dimensão.

Antes de mais, deve dizer-se que se compreende a reacção de repúdio das populações pelo encerramento das maternidades. A verdade é que os governos e os políticos não dão em geral razões aos cidadãos para que estes acreditem nas suas promessas e, sendo assim, é natural que a garantia dada por Correia de Campos (de que os cuidados de saúde perinatais e a segurança dos partos irão aumentar) não mereça, à partida, grande crédito. O que os habitantes destas localidades sabem é que vão perder algo imediatamente, em troca de um benefício eventual e longínquo, que não está no seu horizonte (o proverbial pássaro na mão que o Governo quer trocar por dois pássaros a voar).

Posto isto, deve dizer-se que os argumentos apresentados pelo Governo parecem razoáveis. Isto - e note-se bem a ressalva - a verificar-se as premissas de maior qualidade nos estabelecimentos de saúde centrais (que seria bom provar) e a existência de um bom sistema de transportes (que seria bom garantir) e só nesses casos. É verdade que a boa qualidade dos cuidados de saúde exige não apenas equipamentos caros, mas equipas dispendiosas e bem treinadas, que não é possível em certos casos manter em unidades de pequena dimensão. A garantia dada pelo ministro é de que as actuais medidas não nascem de um desejo de poupança a todo o custo, mas sim do facto de que elas permitirão poupar 200 vidas por ano. O argumento é de peso.

O que é espantoso, no meio de tudo isto, é que o Governo (e o Ministério da Saúde, em particular), que tinha um tal benefício a oferecer às populações locais, não tenha sequer tentado explicar-lhes a sua decisão e tenha decidido anunciá-la com a ligeireza com que o fez. A reacção, assim, não é apenas compreensível: era inevitável.

Mais: a medida agora anunciada não consta do programa do Governo, nem das Grandes Opções do Plano, escudados como sempre atrás da língua de trapos do politiquês vazio ("Reinstituir o planeamento dos recursos hospitalares"), que tem horror à clareza e onde é difícil encontrar seja o que for de substantivo.

Isto, além de que é praticamente impossível encontrar no site do Ministério da Saúde os dados e os argumentos que nos explicam as opções do Governo nesta matéria (escondidos num lugar apenas acessível a conhecedores) - já para não falar da inexistência de um fórum onde outros tivessem podido expor os seus argumentos. Não teria sido isso politicamente conveniente? Não seria um gesto de promoção da cidadania? Não seria eticamente imperativo? Não seria simplesmente inteligente?

Se a reacção das populações é compreensível e até inevitável, isso não significa que ela se mova apenas pelas boas razões: é deprimente ouvir manifestantes lamentar que o encerramento da sua maternidade vá fazer dos futuros filhos da terra bracarenses em vez de barcelenses.

É triste verificar que, se no Governo socialista temos ministros tecnicamente capazes que tratam os cidadãos como se eles não existissem, por outro lado as populações empenham-se em mostrar que o regionalismo oco é a única força capaz de as fazer percorrer 350 quilómetros para se manifestar.

Já agora é também bom desarmar o argumento de que quem vai nascer numa determinada maternidade deixa de "ser filho" de onde quer que seja.

Na verdade, desde há anos a esta parte que é possível registar um filho como sendo natural de um de dois locais: o local do nascimento efectivo (maternidade, hospital, etc.) ou o local da residência dos pais.

Quanto ao resto, é verdade que o Governo não explicou o que, na verdade, qualquer pessoa de bom senso já percebeu e que não carece de explicação. Mas também não estou a imaginar que qualquer tentativa de explicação antecipada tivesse um resultado diferente...

Last but not least - se este Governo tivesse colocado no seu programa todas as decisões que tem de tomar (muitas delas colidindo com interesses individuais mas tendo como horizonte o bem comum), não teria sido sequer eleito. O que seria lamentável, pois este é, provavelmente, o melhor governo que temos desde 1974. Que é como quem diz, desde sempre...

DEPOIS DA CASA ROUBADA...

O povo queixa-se - e com razão - de que os políticos só reagem depois da casa roubada: arranjam a ponte depois de cair, esperam que o prédio caia antes de obrigar as pessoas a sair de lá por razões de segurança, etc.

Quando há políticos que agem ANTES de alguém morrer numa maternidade sem condições, cai o Carmo e a Trindade.

Por favor organizem-se: querem políticos à imagem e semelhança do povinho ou querem políticos que, finalmente, pensem de forma macro e antecipando problemas?

Pelos vistos, a resposta está dada. E o pessoal de Barcelos enganou-se no cartaz. Pelos vistos quer ter o direito a "morrer em Barcelos". É triste, mas é assim.

Já agora, para todos os outros posts que sugerem o contrário: ainda ninguém percebeu que quem tomou a decisão (a que o Governo depois executou e deu continuidade - e ainda bem) foi uma comissão... de médicos? Duh...!

JVM: tens razão - só pelas razões erradas é que o pessoal levanta o rabo da cadeira e vai a Lisboa protestar.

Existem coisas por que não vale a pena lutar e a questão da cidade onde fica a maternidade é uma delas, todas as famílias deste pais deveriam lutar, isso sim, por creches e jardins-de-infância com os custos suportados pelo estado.

POLÉMICAS NA SAÚDE
Há algumas semanas que o tema quase diário nos meios de comunicação nacional tem sido a intenção do governo de José Sócrates proceder ao encerramento dos blocos de partos de algumas maternidades em funcionamento por esse país, por alegada falta de condições de segurança.
Tanto quanto tenho acompanhado as notícias, neste grupo encontram-se as maternidades em funcionamento nos hospitais de Barcelos, Elvas, Lamego, Oliveira de Azeméis, e Santo Tirso, devendo as futuras parturientes ser “canalizadas” para os hospitais alternativos mais próximos. Alega o ministro da saúde – Correia de Campos – que os blocos de obstetrícia daqueles hospitais não reúnem condições para assegurar o respectivo trabalho (argumento que obviamente toca profundamente qualquer cidadão minimamente consciente), mas que tem vindo a ser rebatido pelas populações directamente interessadas, autarcas e profissionais de saúde.
Para cúmulo o DIÁRIO DE NOTÍCIAS publicou hoje um relatório de avaliação de 50 hospitais com blocos de parto, elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública, que em certa medida não confirma a tese defendida pelo governo nem as escolhas dos blocos a encerrar. As conclusões deste trabalho foram de pronto contestadas pela Comissão Nacional de Saúde Materna e Neo-natal, que produziu o relatório em que o governo se baseou para avançar com o encerramento dos blocos de partos em causa, que reafirma a validade técnico-científica das suas propostas.
Como hoje refere com muita oportunidade José António Teixeira - Director do DN – no seu editorial: «Sabemos que o País não tem meios técnicos e humanos suficientes para manter uma rede concelhia de blocos de partos e que a concentração de alguns serviços pode assegurar maior segurança e eficácia no atendimento sanitário.«…» Tudo isto parece ser verdade. O encerramento de algumas maternidades será vantajoso para a saúde portuguesa. Admitamos que há racionalidade nesta opção e que ela não decorre apenas de um cálculo economicista, ainda que legítimo tendo em conta a debilidade dos nossos recursos» mas ficam-nos algumas questões por esclarecer:
1. porque é que nunca foram apresentados de forma clara e precisa os critérios que determinaram a escolha dos blocos de partos a encerrar?
2. porque é que às populações mais directamente afectadas pela medida continua a ser escamoteada a mais elementar das informações?
A estas dúvidas, que há alguns dias venho colocando a mim próprio, junto agora, depois de conhecidas as declarações do presidente do colégio de ginecologia-obstetrícia da Ordem dos Médicos, que ontem veio afirmar que existem quase duas dúzias de maternidades com sérias deficiências (reduzida dimensão e actividade) e que os obstetras deste país são insuficientes, estão envelhecidos e não se vislumbra a possibilidade da sua próxima substituição, mais outra:
3. para quando se prevê o encerramento do último dos blocos de parto deste país?
Embora colocada de forma humorística esta questão é tanto mais pertinente quanto outras estratégias se perfilam no horizonte no momento em que já se começa a falar no interesse dos hospitais privados em assegurar mais essa valência mediante prévio acordo com o Estado. O interesse dos grupos privados que actuam no sector da saúde vem, pelo menos aparentemente, refutar a tese da falta de obstetras, apenas faltando que venham a assegurar esse serviço nas mesmas instalações que o governo (a conselho da tal comissão) agora considera “perigosas”.
É por estas questões e pelo exemplo de outras ocorrências noutros sectores nacionais que as dúvidas que me assolam justificam respostas, as quais temos pleno direito de exigir àqueles a quem foi entregue a gestão da “coisa pública” nacional.
A. Xarim
2006MAI11 in http://GriloEscrevente.blogspot.com

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